Almejamos neste blog colectivo revelar Cabo Verde para além do horizonte da bolha chamada “all-inclusive resorts” e debater uma proposta de turismo apoiado nas características únicas ao caboverdiano, o nosso património cultural e a diversidade ecológica do arquipélago.

Missão: Descobrir as ilhas de Cabo Verde, a sua gente, musica, dança, tradições e vivenciar a morabeza criola.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

O que pensa da actual visão do turismo em Cabo Verde?

O que pensa da actual visão do turismo em Cabo Verde?
Boavista, Curral Velho. Fonte: Ivan Silva

"Queremos ter um turismo sustentável e de alto valor acrescentado, que contribua efectivamente para melhorar a qualidade de vida dos caboverdeanos, sem pôr em risco os recursos para a sobrevivência das gerações futuras”

Visão do Governo - Plano Estratégico do Turismo 2010-2013

domingo, fevereiro 26, 2012

Morabeza


Morabeza
A indole cordial do homem cabo-verdiano, no vocabulário popular crioulo, é captada através do termo Morabeza, apreendido como sendo uma espécie de essência espiritual do cabo-verdiano.

Nas palavras de Leão Jesus de Pina,  a morabeza assume a feição de cordialidade e amigo, saudando de braços abertos aqueles que escolhem o Cabo Verde como terra de acolhida.

Para Gabriel Mariano esta cordialidade é devido  á mesticagem que nos teria proporcionado uma qualidade singular que advëm da nossa maneira de convivëncia social, o mestiço estaria impregnado de uma vocação de quebrar a rigidez e a agressividade dos ritos de convívio social, levando a uma "supercordialidade"- Morabeza.

Baltazar Lopes fecha o circulo :“os antagonismos não se combatem e é, por isso, com profunda harmonia que todos confraternizam e se submetem aos mecanismos de dar-e-tomar”.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Alcatrazes e a morte lenta da memória colectiva


Alcatrazes, localizada na parte oriental da ilha de Santiago, apesar do estatuto de vila no século do achamento e sede da capitania do norte (Ribeira Grande era a sede da capitania do sul), por situar-se numa região agreste, pouco favorável à agro-pecuária e ao comércio marítimo, teve uma existência breve e apagada, declinando-se já na segunda metade do século seguinte ao achamento, devido ao abandono dos seus habitantes que, desde 1513, tinham começado a transferir-se, inicialmente, para Ribeira Grande e, posteriormente, para Praia - nova sede da capitania do norte.





























Em 2007, visitei pela primeira vez a localidade acompanhando um colega historiador em missão académica e revoltoso foi ter encontrado um dos patrimónios históricos do país em completa deterioração. Apesar da tentativa nos anos de 1970 do então padre responsável pela igreja, António Cachada, de restauração da mesma, na época da minha primeira visita, restavam apenas escombros da antiga igreja. Ao lado, uma nova igreja era construída ao lado da velha, dando lugar a uma aberração arquitectónica e a morte lenta da memória colectiva do lugar.

Hoje, numa total cegueira arquitectónica, alguém lembrou-se de vestir as paredes antigas de cimento. Situações do tipo mostra a falta de visão histórica, cultural e turística dos responsáveis e promotores desta terra, visto que, patrimónios desses deveriam ser preservados e transformados em espaços turísticos obrigatórios para estrangeiros e, sobretudo, nacionais.

Devemos começar a preservar o nosso património cultural e a partir de uma filosofia de turismo comunitário, reinventar circuitos turísticos alternativos ignorados pelas agências turísticas que operam por estas bandas. Penso que só assim podemos começar a inovar no sector e a falar de turismo sustentável.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Que turismo para Cabo Verde? Para onde vamos?


Qual é o futuro das chamadas ilhas de vocação turistica?*

Recentemente assisti à apresentação de um destacado promotor imobiliário que no âmbito do tema "Cabo Verde, os desafios do salto" debateu sobre uma estratégia para Cabo Verde.

Segundo o mesmo promotor, Cabo Verde está localizado no corredor do atlântico por onde circulam milhões de turistas por ano, que são absorvidos pelos principais destinos como sejam o Brasil, o Caribe e até Canárias e o sul da Penisula Ibérica.

Na visão deste, o turismo em Cabo Verde é marginal e incipiente, com menos de 0,5 milhão de turistas por ano e tendo os hotéis um taxa média de ocupação de 40%.

Portanto enquanto destino turistico estamos apenas a começar e ainda não somos suficientemente competitivo para concorrer com destinos consolidados. Afirmações que contrariam a euforia em torno do turismo enquanto solução para o desenvolvimento do país.

O modelo de hotel, sol e praia onde impera o "all inclusive" é na prática o único modelo disponivel, visto que o país não está preparado para receber turistas fora dos hoteis.

E o grave nisso é que as actividades economicas que poderiam estar a abastecer os hoteis quer a nível de produtos, quer a nível de serviços, não estão preparados para fornecer com qualidade, pelo que também ficam à margem desse apetecivel mercado.

Desconheço os dados mais recentes mas já em 2008 Cabo Verde recebeu cerca 333.4 mil turistas, agora imaginem o que isso representa em termos de refeições, serviços, tours etc., caso houvesse mais participação das empresas "di tera" no fornecimento aos hotéis.

Teriam imediatamente um novo mercado, naturalmente mais exigente, mas com maior poder de compra e apetência para o consumo do que o mercado doméstico.

Não resta dúvida que aí está uma grande oportunidade para as empresas nacionais exportarem aqui dentro e isso ilustra, a meu ver, a falta de conexão existente entre a chamada industria do turísmo e as restantes actividades económicas pelo que o incremento do número de hoteis e projectos nessa área já não ilude e até assusta.

O potencial do turismo funcionar como gatilho para a promoção da actividades económicas local é uma visão antes de tudo integrada Esta é a grande deficiência estratégica central. Concentrado nos investimentos hoteleiros, grande parte todo o esforço que o estado despende em recursos promocionais acaba beneficiando em exclusivo as grandes cadeias e o modelo all-inclusive numa escala desproporcional. Repare na distribuição de dormidas por tipo de unidade hoteleira. Já quase não temos pousadas. Quando vejo pousadas como a Residencial Nazare na cidade da praia, com uma qualidade excelente lutando para sobreviver... Isso é sustentável?

A agravar-se mais ainda há uma completa falta de sintonia com a cultura e o social. De que interessa conhecer uma terra e não se cruzar culturas e vivências?

Conforme Leão Correia e Silva, Cabo Verde vive ao longo da história, ciclos de oportunidades que se fecham sem que se consigam aproveita-las para catapultar as ilhar para um novo patamar de desenvolvimento. É assim desde o povoamento.

Na actual conjuntura o turismo é sem dúvida uma dessas janelas de oportunidades, mas dado o modelo em curso, a questão é para onde vamos?

terça-feira, fevereiro 14, 2012

O Precioso e o Cheque em Branco.

O Precioso. Créditos: Miguel Monteiro



Esse é o Precioso! O meu irmão fez essa foto na Boavista e quando eu vi, lembrei-me logo das minhas férias de infância na Boavista. Lembrei-me de episódios únicos como assistir a luta das tartaruginhas a furar a casca e a atitude de empreendedora  de pular e contornar obstáculos rumo ao mar. É como se obedecem a um game plan definido no ciclo da vida que garante a sobrevivência da especie e contribui para o equilíbrio dessa biodiversidade. 

Infelizmente tem muita gente de olho no Precioso e apesar de uma maior protecção legal e institucional as ameaças à protecção desta espécie está a cada dia mais ameaçada. Tudo bem o Precioso tem um monte de inimigos dentro de água mas com esses a tartaruga usa a carapaça para se defender e à medida que vai crescendo nem os tubarões metem medo. Se fosse esse o problema estava tudo equilibrado e em harmonia.

O problema do Precioso é nosso também. Estamos todos expostos à sorte ao azar e à oportunidade de quem for o mais esperto a lançar mão aos nossos recursos para enriquecimento exclusivo. Enquanto os operadores nacionais são deixados à margem há investidores internacionais a aproveitarem-se do "abre pé" para se instalarem da maneira que melhor lhes convém. Além da construção de hotéis em zona privilegiada (no meio das dunas, em cima das praias) ainda beneficiam-se das condições extraordinárias de atracção do investimento externo. 
Google Earth View - Costa Sul da Boavista. Na linha da praia ao centro está o III RIU  Touareg da Boavista

Recentemente o Ministro do Turismo admitiu em entrevista à RTC que o Ministério ainda não tem um plano de acção. Esse navegar sem bússola é uma irresponsabilidade e evidencia uma visão reducionista do potencial de Cabo Verde enquanto destino turístico. As facilidades concedidas orientam-se para a realização de liquidez financeira a curto prazo e hipotecam permanentemente o desenvolvimento equilibrado dos recursos naturais, alienam o potencial da economia local e o seu entorno socio-cultural.  


Pior para nós é que, ao contrário do Governo, os investidores parecem ter um game plan. O hotel da imagem acima é o RIU TOUAREG que foi concluído à um ano. O 3o da Boavista e o 5o de Cabo Verde. Localizado mesmo em cima da Praia de Lacacão que é considerado um dos santuários de nidificação da espécie carreta-carreta. É também um ecosistema riquíssimo constituído pelas praias mais extensas de Cabo Verde onde se incluí a praia de Curral Velho e Santa Mónica.

Alguém que explique o porquê tanta exclusividade?

Claro que já há muitas vozes a se levantarem para fazer frente à problemática do turismo e há muito mais conscientização para as questões de impacto ambiental. Mas enquanto sociedade, os caboverdianos não tem sabido fazer frente a essas questões, estamos mudos. Desse modo o esforço de ONG's como o Natura 2000 para monitorar e desenvolver iniciativas que minimizem o impacto da actividade turística no ambiente ficam cada vez mais pressionados e isolados na sua acção.

Fatalmente estamos a perder terreno. Acabou de ser anunciado aqui que o RIU, Resorts & Hotels assinou um contrato com o Natura 2000 e passa a ser o único representante legal do projecto no país respondendo por todas as questões ambientais, negociando com o Governo e outras entidades ou fundações. 

O acordo prevé em troca uma contribuição anual ao Natura 2000 que continuará a fazer estudos e as auditórias em relação à protecção ambiental especificamente relacionadas ao trabalho que se tem feito com as tartarugas. A RIU, Resorts & Hotels se propõe a envolver-se activamente na protecção ambiental. Deixo as contrapartidas para vossa interpretação. 

"RIU guests will also have the opportunity to participate actively in environmental protection activities. Once a week, the hotels’ theatres will show a documentary on biodiversity in Boavista, while their entertainment department will organise educational games for children, and also turtle outings and releases for all guests. In addition to this, all guests will receive information on the activities of Natura 2000 who organise voluntary programmes and different initiatives throughout the year, which can involve visitors as well as the local population."

Comparado com o valor do trabalho da ONG que trabalha à 12 anos na protecção da espécie, essas contrapartidas são ridículas e vão criar mais espaço de manobra ao investidor para continuar a usufruir em exclusivo da terra dos nossos avós. De outro modo se de facto há essa consciência ecológica a RIU não precisa ser dono do PROJECTO NATURA 2000 mas antes devem assumir verdadeiramente a responsabilidade social. Ex.: Segundo relatado por jornalistas no terreno o lixo acumulado pela dinâmica dos 16 vôos semanais que chegam à ilha amontoam-se numa extensão de 5km e já é considerado a maior lixeira de Cabo Verde. Isso a escassos quilómetros do Resort.

Assim não nos iludamos. O acordo com o NATURA 2000 é antes um duro golpe. Um cheque em branco. Contrata um dos principais parceiros na área ambiental do país e depois de 5 resorts almeja agora é dar o cheque mate e invadir definitivamente o ninho do Precioso. Desculpa mas não tem preço.

"Ta flado ma na tera di segu, kololo e Rei ma guentis Turismo Sustentável é precioso dimas pa nu dexa bai!

sábado, fevereiro 11, 2012

Que políticas de juventude em Cabo Verde?


Sendo que a grande maioria da população de Cabo Verde é constituída por jovens, fácil será depreender-se que:

Se há uma elevada taxa de desemprego, os jovens deverão ser os mais afectados;
Se há vários grupos musicais, noites caboverdeanas, novas vozes a despontar, muitos deles deverão ser jovens;
Se há um novo fenómeno de violência – gangs e thugs – muitos dos seus constituintes deverão ser jovens;
Se existem grupos de dança, de teatro, artistas com talento, muitos deles deverão ser jovens;
A existirem poetas, escritores, artista plástico e artistas nas mais variadas áreas, provavelmente muitos deles serão jovens.

Fácil de encontrar uma relação, não? Talvez para ti, talvez para mim. Talvez. Mas vamos então assumir que a grande massa artística de Cabo Verde é constituída, grosso modo, por jovens. Vamos assumir que a juventude com arte está dedicando horas da sua inspiração (graças, muitas vezes, à falta de ocupação) a escrever versos que te farão suspirar, contos que te farão viajar e a pintar quadros de rara beleza. Essa mesma juventude está agora a esculpir obras de se admirar mas também está dedicando horas da sua inspiração memorizando textos porque você quer mais e melhor teatro, afinando a voz e a guitarra porque você exige boa música ao jantar.

Com tantos jovens que andam pela rua com um instrumento musical às costas, outros com os cadernos cheios de versos e personagens ou outros a caminho de casa (as vezes de madrugada) depois de mais um ensaio, constate-se que, se não pela arte, tanto esforço só pode dever-se aos incentivos. Sim, porque somente pelos incentivos é que compreende-se que um jovem poeta ou escritor dispensa horas dando vida a personagens e a sentimentos que verá brevemente publicado em livro. Ou que um jovem pintor pinte quadros, paredes, papéis ou outra coisa qualquer que encontrar na certeza de ver seu trabalho exposto e reconhecido. Somente pelo incentivo é que um jovem dançarino treina novos passos ou que um jovem músico toca até sentir cãibras nos dedos.

Porque, não se iluda, há uma competição secreta e feroz entre os jovens artistas para ver quem consegue ficar com incentivo. Bem, talvez não é a competição que é secreta mas sim o próprio incentivo. É tão secreta que não se fala nem se escreve sobre ela. De tão secreta que ela é, diz-se que não existe. Pronto! Revelei-vos um segredo: de que ela não existe. A competição, não o incentivo.

O que é que se entende por Cultura em Cabo Verde? Que evento cultural juvenil recebe o incentivo? Que evento cultural juvenil? Cabo Verde precisa com urgência de uma política cultural juvenil. A Cultura é uma das poucas áreas em que o trabalho está quase todo feito. O jovem artista já tem a sua obra quase pronta. O jovem artista é uma obra. Só precisa do incentivo para expô-la. Pois sim, poderiam argumentar, o incentivo é usado pelo Carnaval para premiar figurantes com o melhor andrajo. Também, o incentivo é usado nos Festivais de Música em grupos que durante a sua estadia não fazem uma única troca de experiência com os jovens artistas.

O segredo foi revelado. O incentivo existe. Agora o próximo passo é usá-lo em benefício da grande massa da população de Cabo Verde: os jovens. Porque faz-se necessário usar o incentivo em áreas culturais como:


Literatura e Música, Artes Plásticas e Teatro, etc. e tal.

Criar condições para que, após concurso, os jovens artistas possam ver seus trabalhos tornados públicos. Que seja em uma obra conjunta. Um jovem poeta ficará imensamente mais feliz de ver um único poema seu publicado do que todos eles somente no seu caderno de rascunho. Idem aspas para um jovem músico. Com uma política cultural juvenil definida para uma publicação por ano, teríamos quatro obras disponíveis no mercado nacional em quatro anos e muitos jovens artistas felizes.

Desenvolver políticas de valorização do artista para evitar que um jovem pintor tenha que vender seus quadros para poder comprar tintas e pincéis para pintar novo quadro. Outro ciclo vicioso a ser quebrado é o do jovem talentoso que não consegue fazer uma exposição por não ser conhecido e não ser reconhecido por não fazer exibições. Novamente, um jovem artista irá preferir expor em conjunto do que ter todos os seus quadros encostados numa parede da casa.

Nota-se que hoje em dia a cultura que não é comercializável não é incentivada. Não se pode negar o peso nos roteiros turísticos dos Festivais mas também não pode-se esquecer que originalmente essas manifestações culturais não foram projectadas a pensar no turista, mas que conseguiram ganhar este peso e estatuto ao longo dos tempos. Foram precisos muitos anos de árduo trabalho para se chegar a esse estágio. É esse mesmo empenho que é necessário para projectar e impulsionar a criação artística na nossa juventude.

Com uma política de juventude e cultura séria e credível será possível a médio prazo, apresentar ao público, jovens artistas de qualidade nas mais diversas áreas. E se com isso conseguirmos ter turistas a visitar galerias de arte, a assistir teatro e a comprar livros e álbuns musicais, tanto melhor. A Cultura e a Juventude agradecem.

Publicada (também) no Jornal NhaTerra Online 
Publicada (também) na Revista Buala Cultura Contemporânea Africana



Odair Varela é jornalista no jornal A NAÇÃO em Cabo Verde (na ilha de São Vicente) e também autor do blog: daivarela.blogspot.com 

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

O poder da palavra

A notícia que está a 'bombar' nesta pequena ilha turística que é a Madeira é um exemplo de desenvolvimento infra-estrutural, na construção de túneis, pontes e vias rápidas, mas que tal aproveitamento dos fundos europeus acaba por ser um mau exemplo no que toca à repartição equilibrada, sobretudo no apoio ao desenvolvimento sustentado da economia e das empresas.
As palavras ditas por Angela Merkel, chanceler alemã numa conferência com jovens, acabou por cair que nem uma bomba na convicção que muitos madeirenses tinham que tudo o que fora feito nos últimos 25 anos - desde a adesão de Portugal à União Europeia - era vista como exemplar pelos parceiros europeus.
A verdade é que as estradas trazem desenvolvimento, mas numa perspectiva enviesada, uma vez que garantem melhor circulação de bens e pessoas, mas não de forma sustentada quando todas as 'baterias' são apontadas num alvo, a infra-estruturação. E na Madeira, quem a vê hoje e quem a conheceu há 15 e 20 anos, só pode concordar com a nova 'dama de ferro' da Europa.
Como já referi no anterior post, a Madeira devia ser vista como exemplo a seguir no que tem de experiência no âmbito do turismo e da potencialização das suas mais-valias naturais, mas também a não seguir no que de mal foi feito em termos infra-estruturais.
Há dois ou três anos, Egon e Astrid Roes, turistas alemães, foram homenageados pelo Governo da Madeira, pela sua 75.ª visita ao arquipélago. Não são caso único, aliás, é bem frequente este tipo de turistas, repetentes, amantes da Madeira a da sua beleza. Visitam, gostam, regressam, falam bem aos amigos e familiares, que também muitas vezes aceitam o 'convite'. Essa é uma mais-valia que o Turismo da Madeira tem e nem precisou fazer muito, bastou deixar a natureza fazer o seu trabalho e o saber receber das suas gentes fazer o resto.
Mas há sempre um senão. A imagem que acompanha este texto foi tirada há cerca de dois anos, numa das zonas mais turísticas do Funchal, capital da Madeira, e por sinal uma das melhor infra-estruturadas, com tudo o que o urbanismo exige em termos de canalização dos esgotos, escoamento de águas residuais e pluviais... e ao nível das estradas, tudo alcatroado, zonas ajardinadas, passeios para peões, estradas relativamente largas, iluminação, sinalização vertical e horizontal, etc, etc.
Pelo menos era o que parecia. A verdade é que no dia 20 de Fevereiro de 2010 esta zona ficou assim. E nem foi das mais afectadas do Funchal, pois não fica no centro, que foi globalmente devastada pela água das chuvas e pela 'revolta' das ribeiras.
Dizem os entendidos, geógrafos, urbanistas, arquitectos, engenheiros, ambientalistas e afins que tudo deveu-se ao excesso de construção, sobretudo a subterrânea que estrangulou muitos cursos de água que a natureza, ao longo de séculos e milénios, foi criando. É claro que há outras vozes que dizem o contrário, que são causas cíclicas.
Ou seja, a meu ver, a intervenção do homem, uma vez mais, foi o causadora de estragos inimagináveis no dia anterior... 42 mortos, oito desaparecidos, feridos às dezenas, desalojados às centenas, prejuízos materiais aos milhões de euros, e anos de desenvolvimento, cuja única sustentação foi mesmo a falsa sensação de desenvolvimento, deitados literalmente ao mar.
O que se tem assistido em Cabo Verde nos últimos anos tem sido algo muito interessante, mas muito perigoso se não acompanhado pelos exigentes e custosos estudos de impacte ambiental. Não faltam exemplos por este mundo fora de projectos sem estes estudos, que os investidores tanto detestam, os políticos fazem-se esquecidos e, no final, o povo acaba por sofrer as consequências... muitas vezes com a própria vida!
Cabo Verde pode ter muito a aprender com os erros e todos os maus exemplos. Mas se, tal como em muitos outros casos, quem tem o poder não tomar a opção certa de defender o bem público, mais tarde ou mais cedo é o povo que acaba por sofrer as consequências. E, em último caso, a economia é que retrocede anos por causa das más opções.
Voltando ao princípio, a chanceler alemã parece ter sido mal traduzida. Até foi chamada de "ignorante". O que parecia ser uma crítica à opção de construir sem olhar ao equilíbrio com o apoio ao tecido empresarial, afinal foi um exemplo dado para lembrar aos jovens, ao futuro, que por mais infra-estruturas que se criem há que olhar a todos os sectores para que o crescimento sustentável da economia seja uma realidade. E se, por um infeliz acaso (da natureza, por exemplo) algo correr mal com um sector (o turismo, por exemplo), os outros que foram acautelados e desenvolvidos ao mesmo ritmo, saberão responder e alavancar um país, uma região, uma ilha, uma cidade, uma comunidade...
É este o exemplo que o poder da palavra da 'Senhora Europa' quis ensinar, não só aos jovens alemães, como europeus, aos portugueses, madeirenses... e até cabo-verdianos, se estes quiserem aprender. Não há futuro possível sem desenvolvimento sustentável.

Francisco Cardoso

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