Almejamos neste blog colectivo revelar Cabo Verde para além do horizonte da bolha chamada “all-inclusive resorts” e debater uma proposta de turismo apoiado nas características únicas ao caboverdiano, o nosso património cultural e a diversidade ecológica do arquipélago.

Missão: Descobrir as ilhas de Cabo Verde, a sua gente, musica, dança, tradições e vivenciar a morabeza criola.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Perdas e Ganhos numa viagem oceânica

Em toda a viagem existem descobertas, encontros e desencontros. Algumas experiëncias podem ser vividas como uma perda e outras nem tanto. Do que foi vivido enquanto perda, de minha parte, posso dizer tratar-se do sucessivo e natural desencantamento que viver evoca. Uma porçào de crenças, um tanto de esperança, parte da ilusäo e da fé perdem suas certezas! Algumas perdas näo poderào ser reconquistadas! Existem aquelas que se acreditavam perdidas e no entanto estavam là.

Nos abraços familiares, nos sorrisos amigos, na mùsica e na morabeza do povo caboverdiano, meu povo, a certeza de uma experiëncia inesquecìvel.

Viajando com crianças, como foi o meu caso, tive a oportunidade de desfrutar de um olhar àvido por aquilo que um dia também olhei com encantamento. Como nada é perfeito, mesmo com a falta de àgua ou de luz, certos momentos que na sua rotina sào penosos tornam-se verdadeiras aventuras, aonde o valor da mesma é a descoberta de que o que abunda em um paìs, escasseia em outro.

Entre as dunas das ilhas razas e a terra das ilhas rochosas escutei dizer que tudo havia mudado, que o paìs crescera e que a violéncia fizera com que seus habitantes se armassem, passando a viver em verdadeiras fortalezas de desconfiança.

Um pouco reconheço ter-me deixado contagiar pelo medo do outro, mas quando pude perdé-lo encontrei o que nào sabia existisse. Consegui escutar, deslumbrada, a història do pescador que sai ao oceano no calar da noite, sem nunca ter saìdo de sua aldeia; a luta brava da jovem màe que trabalha, estuda e cria seu filho com a força de seus braços na herculana tarefa da sobrevivëncia; aos meus ouvidos também näo passou despercebido, neste canto do mundo, o relato da senhorinha que prepara doce de calabaceira para o deleite dos afortunados, sem cobrar um tostäo; quem conseguiria esquecer o relato de uma criança que, com profunda tristeza, porém sem chorar nem pedir nada compartilha em poucas palavras a història de uma breve mas intensa vida de maus tratos? Tudo ao som da mùsica que embala marcando o compasso dessas ilhas.

Em cada uma dessas històrias pude, assim, descobrir uma força que näo tem nome e, se tentarmos nomeà-la, ela jà näo seria mais a mesma, pois näo està nas palavras e sim nas entrelinhas daquele que lë nào somente com os olhos.


Suzana Duarte Santos Mallard

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Exemplos a (não) seguir

Quando somos meninos, os nossos pais têm a obrigação de nos fazer ver e mostrar que há formas de vida e de vivência que não são exemplos a seguir por ninguém. Também devem nos ensinar quais os bons exemplos. Assim se faz uma boa educação parental, entre outros ensinamentos, para que em adultos sejamos pessoas bem formadas e de valores.
Esta ideia moralizadora vem a propósito do que Cabo Verde e as entidades que supervisionam o investimento externo, sobretudo na área do Turismo, podem aprender com os maus exemplos que proliferam por esse mundo fora no que toca a um desenvolvimento sustentável deste sector tão crucial como frágil para o futuro do nosso País. Há por esse mundo fora muitos exemplos, maus exemplos, e até bons exemplos de recuperação, após más políticas do passado.
O exemplo que nos pode ensinar vem de ilhas, bem mais avançadas nesta indústria do Turismo, aliás com várias décadas de experiência e bem perto de nós. O caso do arquipélago da Madeira, as duas ilhas habitadas (Madeira e Porto Santo) e os dois grupos de pequenas ilhas, denominadas Desertas e Selvagens.
Os bons exemplos que as autoridades madeirenses deram no passado já têm ‘barbas’ e estão bem cimentadas, nomeadamente na protecção dos frágeis ecossistemas das Ilhas Desertas e das Ilhas Selvagens. São raros os visitantes, há sempre vigilantes da natureza ali posicionados e a monitorização das espécies endémicas é constante. São autênticos santuários naturais, desde sempre alvo de cobiça, até hoje a salvo a muito custo.
Também nas duas ilhas habitadas trabalha-se muito na tentativa de deixar ao máximo algum território fora do alcance da civilização. Mas, como é óbvio, torna-se muito mais difícil, sobretudo porque o Turismo é a principal fonte de receita de um arquipélago que pouco mais tem a oferecer aos visitantes que a sua beleza natural.
A verdade é que para beneficiar do Turismo é preciso investir em infra-estruturas rodoviárias, portuárias e aeronáuticas, é preciso depois erigir unidades de turismo para receber condignamente os visitantes e se forem em grande número, mais unidades e cada vez maiores serão necessárias para os albergar. Aí é que reside o erro de muitos políticos e políticas (ou falta delas) de desenvolvimento sustentável.
Em muitos territórios, de facto, não faltam exemplos muito maus, dramáticos hoje, trágicos para o futuro. Constrói-se com expectativas demasiado altas, o dinheiro abunda quando é preciso construir em grande e, muitas vezes, fecha-se os olhos aos estudos de impacte ambiental.
Ora, olhando o exemplo da Madeira e do Porto Santo, em 2008, ano em que o Turismo ainda estava em crescendo de optimismo e os investimentos continuavam em grande, havia 331 empreendimentos, esperava-se alcançar as 32.869 camas (quase mais 3 mil que em 2007) e bem perto de alcançar o ‘limite’ previsto no Plano de Ordenamento Turístico (POT) de 35 mil camas em toda o arquipélago. Um sector que, na altura e ainda hoje, representava 20 a 40 por cento do Produto Interno Bruto da Madeira e dava trabalho directo a 15 por cento dos madeirenses, cerca de 6.618 funcionários.
Passaram-se três anos e tudo mudou, há obras paradas, há novos hotéis à espera de ‘bons ventos’ e outros que deveriam ser remodelados e estão fechados, as receitas baixam, o número de turistas também, gastos e tempo de estadia idem, as empresas que estão à volta deste sector passam um mau bocado e, pior, os trabalhadores começam a sentir na pele o problema, com salários em atraso e desemprego. E tudo isto porquê?
Porque planeou-se e executou-se, mas como se diz no ditado popular houve “mais olhos que barriga”. A Madeira tem uma imagem de “natureza, clima, beleza, cultura, segurança e hospitalidade”. Mesmo assim, os factores externos e internos motivam a um repensar e reformular dos objectivos.
Resta dizer que, estando Cabo Verde ainda com uma indústria do Turismo a crescer, com as massas cada vez mais interessadas, dever-se-á olhar para os outros e não “ir com muita sede ao pote”. Enquanto é tempo de aprender e não errar.

Francisco Cardoso

Pescador ou Legislador: Quem tem menos consciência ambiental?

O ambiente caboverdeano e sua biodiversidade é uma área transversal em todos os projectos de desenvolvimento de Cabo Verde mas, infelizmente, é também aquele mais mal conhecido, divulgado e fiscalizado. 
Mas há que ter consciência que existe duas realidades: uma do legislador que se encontra na cidade e outra bem diferente do comum cidadão das comunidades locais. Entretanto, quando se pensava que o indivíduo menos sensibilizado para as questões ambientais seria, por exemplo, o pescador eis que ele nos surpreende. Na sua simplicidade de homem do mar e, apesar das dificuldades para conseguir o sustento, luta pela conservação de outras espécies. 

Este pescador que tem dificuldades em conservar a sua própria espécie faz vigília nas praias para evitar o roubo de ovos e matança das tartarugas, decide parar de caçar cagarras nos ilhéus. Cria associações que recebem prémios internacionais pelo seu papel na conservação das tartarugas, como é o caso da Associação Comunitária Nova Experiência Marítima da Cruzinha (Santo Antão). E o que faz o legislador? 

Estabelece regimes jurídicos como o Decreto-lei N.º 29/2006 que dispensa a Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) dos projectos susceptíveis de produzirem efeitos no ambiente e decreta que “em casos excepcionais e devidamente fundamentados, um projecto específico, público ou privado, pode, por despacho do membro do Governo responsável da área do Ambiente, ser dispensado AIA”

Subterfúgio?

Claro que não se espera que na construção de todo e qualquer pequeno empreendimento seja necessário uma AIA, mas até que ponto este subterfúgio está sendo usado para validar iniciativas que estão a mostrarem-se nocivos para Cabo Verde? É nesta questão que vários especialistas alertam que é necessário reforçar e melhorar o quadro jurídico num país com deficiente capacidade de fiscalização como o nosso. 

Mas é preciso coragem para planear e ordenar o território de forma compatível com os objectivos da conservação. É preciso coragem e visão para impedir a construção de um gigantesco hotel num determinado local quando se sabe que este provocará a destruição das dunas e a não re-alimentação das praias com areia e com isso comprometer-se o futuro do próprio turismo numa ilha ou país. 

Há certas acções em Cabo Verde que fazem lembrar o ditado “arranjar com as mãos e estragar com os pés”. Só assim se entende que façamos campanha para sensibilizar comunidades locais para protegerem as tartarugas e por outro lado constroem-se empreendimentos gigantescos na Boa Vista e Sal que provocam a diminuição da nidificação destas mesmas tartarugas. 

Só assim se entende que constrói-se a estrada asfaltada Baía-Calhau [São Vicente] que dá acesso a lindas praias e vulcões extintos e ao mesmo tempo a extracção de jorra nesses mesmos vulcões não é controlada e corre-se o risco de perder-se esse património ambiental e turístico. 


Sustentabilidade Social

Na área empresarial é preciso criar a responsabilidade social das empresas, seja de forma voluntária ou por contrato. Empresas de telecomunicações que noticiam um parque de contratos de telemóveis com números superiores a 300 mil assinaturas têm que, necessariamente, estar envolvidas na procura de soluções no momento de descartar esses telemóveis com suas baterias altamente poluentes. 

Responsabilidade social também para os comerciantes chineses que importam milhares de toneladas de materiais plásticos anualmente num país onde a eliminação do lixo é feita através de incêndios a céu aberto ou aterro, que são outras formas de agressão ao nosso meio ambiente. Idem aspa para os barcos chineses que estão na CABNAVE e que volta e meia derramam óleos poluentes na praia da Laginha, no Mindelo. Idem aspa para vários outros casos. 

Se, inicialmente, a administração dos recursos naturais era feita pelas comunidades locais, hoje conheceu uma grande mudança e agora estão sob a tutela de novos actores de gestão ambiental como corporações económicas, proprietários locais ou o Estado. A grande questão é até que ponto isto melhorou a qualidade de vida dessas localidades. 

Por isso que como cidadãos temos que estar conscientes do papel e desafios do ambiente para um desenvolvimento económico e social sustentável. Mas esta sustentabilidade só é conseguida trabalhando com as comunidades locais no presente sempre com visão nas gerações futuras e apostando na cidadania ambiental. É ver o ambiente como uma oportunidade de recurso que pode ser gerida pela comunidade local e não como um constrangimento. 

Uma das grandes apostas para melhorar este cenário é tornar o jornalista num sujeito actuante na resolução da problemática ambiental, incentivando para a criação de uma estratégia de comunicação que traga temas ambientais para as primeiras páginas dos noticiários. Porque, um jornalista com “paixão ambiental” estará na linha da frente para reportar, por exemplo, casos de apanha da areia e construção de edifícios na orla marítima, causadores de grandes impactos no ambiente e, consequentemente, na economia. 

Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma crónica ambiental mas sim económica e política. Não é um discurso de conservador mas sim de consumidor que encara o “Capital Natural” como condição prévia de crescimento económico e social de Cabo Verde. 

OBS: texto publicado também no jornal A NAÇÃO Nº 227



Odair Varela é jornalista no jornal A NAÇÃO em Cabo Verde (na ilha de São Vicente) e também autor do blog: daivarela.blogspot.com 

terça-feira, dezembro 13, 2011

Descobrindo a caboverdianidade

Nos meus tempos de estudante no Brasil, eu era constantemente confrontado com duas perguntas:
-De onde és? - Cabo Verde.
-Onde fica? - Fica... na África... mais ou menos... no oceano atlântico... perto da ilhas canárias... "tubeteava".
Num primeiro momento o meu sentimento foi de estranheza e incredulidade.
Seria  possível que eu  tinha vergonha de ser africano?
"Abö é preto móss!" pensava.
Mas não  me sentia africano e muito menos europeu.
Qual era então a minha identidade?...O que dizem os historiadores?

Luís M. de Sousa Peixeira nos diz que em razão das condições adversas os escravos e os colonos  não podiam sobreviver independente um do outro. Estavam enfiados no mesmo barco e a sua sobrevivência dependia desta união. Esta convivência forçada, segundo Peixeira, deu origem á mestiçagem e forjou um sentimento de lealdade que, aliado a uma cultura partilhada, produziu uma nova identidade, a  caboverdianidade.

Gabriel Mariano reitera que em Cabo Verde a mestiçagem cessou os vínculos étnicos com as terras distantes e nos  proporcionou uma qualidade singular - "O mestiço estaria impregnado de uma vocação de quebrar a rigidez e a agressividade dos ritos de convívio social."

Tínhamos conseguido (para poder sobreviver) conciliar a  diversidade de elementos étnico-culturais, aparentemente conflitantes, numa única categoria, a cultura cabo verdiana.

O Prof. Artur M. Bento resume:
 "A identidade cabo verdiana é produto de reelaborações das diversas identidades em contacto e, por isso, não há entre os cabo verdianos a reivindicação de uma raiz étnica, mas sim, a afirmação de valores colectivos(...) Cabo Verde deixa de ser uma prisão de escravos e refugio de brancos degradados para se constituir na nova pátria".

Eu devia lealdade, não aos africanos e tampouco aos europeus, mas sim, a esta nova pátria, a Cabo Verde. Eu era o produto "bem sucedido" do encontro do português com o africano, eu era um  claridoso.

Escusado dizer que esta minha "redescoberta" não se traduziu numa melhor transmissão da minha origem aos brasileiros. O que me levou a adoptar uma resposta padrão.

- De onde és? - Sou africano
- De onde na África? - Cabo Verde



Nuno Kaunda


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