Almejamos neste blog colectivo revelar Cabo Verde para além do horizonte da bolha chamada “all-inclusive resorts” e debater uma proposta de turismo apoiado nas características únicas ao caboverdiano, o nosso património cultural e a diversidade ecológica do arquipélago.
Missão: Descobrir as ilhas de Cabo Verde, a sua gente, musica, dança, tradições e vivenciar a morabeza criola.
Primeiro Casino de Cabo Verde vai ser inaugurado em 2015 na ilha do Sal
Segundo nota publicada com grande destaque no "jornal da praça", O Governo de Cabo Verde acabou de assinar um Contracto de Concessão com a Royal Casino autorizando esta empresa a explorar os jogos de fortuna e azar no país durante 25 anos.
Além dos números do investimento e potenciais 5 dezenas de empregos, o artigo pouco mais acrescenta além do óbvio aumento mundial do número de jogadores de casino. E depois? Até onde isso interessa a Cabo Verde? Não será justo questionar quais seriam os limites de sustentabilidade em ilhas de reduzida dimensão como o Sal?
"A introdução dos jogos de fortuna ou azar em Cabo Verde é vista pelo Governo como um factor que trará um novo impulso na procura do arquipélago como destino turístico, criando novas oportunidades de negócios para as empresas que vão operar nesse sector, seja directa ou indirectamente."
Não resta dúvida que o turismo de jogos tem o potencial de acelerar a dinâmica económica mas e as questões sociais? Na perspectiva da sustentabilidade do destino Cabo Verde é fundamental que a sociedade civil e os decisores públicos considerem os impactos negativo do turismo de jogos. A nível mundial as grandes questões relacionados aos casinos são largamente conhecidas: crime organizado, crimes urbanos contra pessoas e propriedades, roubos, arrombamentos, falências, questões familiares de roturas, abusos, depressão, suicídios ou separação entre outros "custos" sociais.
Pelo que se vamos ter casinos no arquipélago precisamos de mais jornalismo e melhor informação. A ser assim e até haver uma política sustentável para o turismo em Cabo Verde, diga NÃO AOS CASINOS!!
CaboNed
é uma empresa de turismo rural, formada por Etienne, um cidadão holandês e
a sua esposa Marli, cabo-verdiana. A junção das suas nacionalidades deu nome ao
sonho, e a paixão por Cabo Verde deu um telhado a Bush Bush, uma pitoresca
guesthouse no coração de Santiago.
A minha experiência começa no café Sofia, onde Etienne combina de me apanhar. À hora marcada lá está com um sorriso estampado no rosto que eu quase descreveria com a própria palavra Morabeza.
Após
trocadas as primeiras impressões sobre o tempo e a condução na ilha, Etienne
fala da sua decisão em se mudar da Holanda para Santiago. A forma como foi recebido,
a tranquilidade do interior, e a vontade de mudar de estilo de vida, conferiram
a Etienne a segurança de tomar essa decisão e ser ele próprio a propor à esposa
que se mudassem para Cabo Verde.
A
pequena guesthouse da qual hoje são proprietários pertencia à avó de Marli e
também dá lugar à habitação de ambos, após um árduo trabalho de remodelação. Ganhou
o nome de Bush Bush por alguns visitantes, que assim a apelidaram devido à
vasta flora que domina o local circundante (Cruz de Fundura e Boca Larga).
Questionado
sobre as maiores dificuldades que tiveram ao início, confessa que foi a
burocracia com a sua documentação pessoal. Nunca pensou que seria tão difícil.
Admitiu também que o transporte dos materiais foi outra questão complicada, mas
estava psicologicamente preparado desde o início para esse obstáculo. A façanha
foi orquestrada por "dezoito carrinhas Toyota Dyna de uma só vez!", recorda divertido.
O
caminho é feito com muitas saudações, um “Bom dia”, um “Modi ki stadu” e muitos
“Tudo dreto” num sotaque que todos já entendem muito bem. Conhecidos e
desconhecidos param para contemplar o Land Rover e Etienne confessa:
“Nem todos me conhecem, mas todos reconhecem o carro”.
Seguimos
caminho por Librom, uma pequena aldeia ambientada com alguns dos sorrisos mais
meigos da ilha e uma frescura inspiradora, que brota das suas ribeiras em
forma, cor e cheiro de verde.
O
caminho é difícil e agora entendo a escolha do Land Rover. Lembro-me de
perguntar quanto tempo leva da Praia até a sua guesthouse, pelo caminho normal
e sem hesitar diz-me orgulhoso: “Uma hora certa, mesmo a partir do aeroporto
quando vou buscar os meus hospedes!”
A
divulgação do CaboNed é por enquanto feita apenas pelo próprio site da empresa e por duas agências na Holanda,
especializadas em pacotes de viagens para Cabo Verde. Muitos dos hóspedes que
recebem, são “Island Hoopers”, ou seja, viajantes que optam por conhecer várias
ilhas do arquipélago de uma forma muito relaxada e aventureira, durante um determinado período de tempo.
Para além da estadia, CaboNed oferece várias opções de hiking, viagens pela
ilha e observação de pássaros. A zona privilegiada em que se encontram, “permite
fazer vários trilhos e conhecer muitos lugares em perfeita harmonia com a
natureza e o povo cabo-verdiano”, acrescenta orgulhoso.
O
preço diário, da estadia por pessoa varia entre os 1925$00 (17€) e os 3850$00
(35€), dependendo do regime ou tempo que se pretende ficar. A comida, Etienne
garante que é toda local. O que não produzem na sua pequena horta, compram aos
agricultores locais, fazem questão que assim seja. Marli e uma auxiliar tratam da confecção de pratos locais
como a cachupa, cuscus, caldo de peixe e outras iguarias.
Bush Bush tem capacidade para quatro pessoas ou um casal e três crianças. Está equipada com
uma casa de banho de chuveiro, mini-sala de convívio e uma varanda. Um
verdadeiro santuário de tranquilidade, onde normalmente é servido o
pequeno-almoço e feito o plano para o dia.
Na
varanda, Etienne aponta para o telhado e mostra as principais fontes de energia
da casa. Um painel solar e um mini-moinho que geram energia suficiente para os
pequenos eletrodomésticos e toda a iluminação da casa. “Em relação ao frigorífico,
já temos de contar um pouco mais com a Electra, que falha bastante”, desabafa.
Em Bush
Bush tenta-se viver da forma mais sustentável possível. Todas as lâmpadas da
casa são LED e existe um sistema de aproveitamento das águas das chuvas. "Este ano foi muito boa e dará para pelo menos seis meses", garante Etienne.
O dia
termina com o retorno pelo caminho que leva à vila de Orgãos e Etienne aproveita
para me mostrar algumas das belezas circundantes, apontando e lamentando as imensas
oportunidades de turismo rural e sustentável perdidas no interior da ilha de Santiago.
Antes de mais, a explicação do que são esses cinco círculos da foto - quem está dentro do tema, sabe o que significa e, se calhar, vai encontrar neste texto muitas imprecisões.
Ora então, segundo o 'Projecto Descobrindo o Mar', “recentemente foi encontrada uma área no oceano Pacífico, onde se concentra grande quantidade de materiais plásticos provenientes do despejo desses resíduos na zona costeira. O famoso lixão do Pacífico. A área deste ‘lixão’ equivale às áreas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás juntos. Estima-se que existam cerca de 100 milhões de toneladas de plástico nessa área(27% sacolas plásticas) um milhão de partículas de plástico por quilômetro quadrado. A concentração dessa enorme quantidade de resíduos é provocada pela circulação de correntes marinhas, que formam um giro de sentido horário no hemisfério norte desse oceano, acumulando o lixo no interior do giro.”
Tirando o português abrasileirado (já devem ter percebido que eu escrevo como aprendi na escola, não há cá acordos ortográficos) e o facto de o problema não ser tão recente assim (há mais de 40 anos que se estuda o fenómeno), esta definição diz tudo do problema que todos nós enfrentamos, a poluição dos mares. Curiosamente, ou nem tanto, este é um problema que está mais bem explorado e estudado pelos norte-americanos, pois até têm um Programa de Lixo Marinho incluído na National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), entidade do governo federal ligada às questões climáticas.
Segundo a NOAA, este é um programa que visa, sobretudo monitorizar o ‘monte’ de lixo oceânico, embora tentem desmistificar o conceito, lembrando que este não significa que podemos observar claramente as supostas ‘ilhas’ de lixo a navegar por aí. Referem que são mais pequenos, milhares, dezenas de milhar de pequenos objectos unidos e a navegar à volta destes tais giros oceânicos.
O único defeito dos norte-americanos é que olham para o seu próprio umbigo, muitas vezes esquecendo-se que o mundo não começa na costa do Pacífico Norte e acaba na costa do Atlântico Norte. Não me parece que lhes faça muita mossa que fruto do despejo durante décadas de plástico nos dois oceanos, tenha contribuído para que, hoje, este problema seja global… continuam a estudá-lo, continuam a monitorizar, continuam a recolher os detritos, mas, muito me engano, sobretudo na sua zona de influência.
Cabo Verde, segundo o mapa-mundo da foto, leva de ‘raspão’ com o giro do Atlântico Norte. Sabendo-se que muitos desses detritos ficam ‘presos’ nesse vórtice de correntes marítimas, há muita porcaria que se escapa. Significa isto que, se num dia destes encontrar um monte de pequenos detritos de plástico deteriorado numa das praias ainda impolutas de Cabo Verde, pode crer que há grande probabilidade de ter sido daí a origem.
Estamos na rota das grandes trocas comerciais, dos grandes navios-cargueiros e todos sabemos que as águas internacionais são o local ideal para os menos conscientes deitarem a porcaria borda fora.
Mas os cabo-verdianos também não estão isentos de culpa. Basta lembrar as toneladas de lixo deitadas às ribeiras que, com uma chuvada daquelas, leva o caminho do mar. E a grande metrópole desorganizada que se tornou a cidade da Praia depois da Independência em 1975, também resultou numa capital que, pura e simplesmente, precisaria de um programa moderno de país desenvolvido no tratamento do lixo. A última vez que vi e senti o pulsar da cidade-capital (Junho de 2009), foi de corar de vergonha nessa matéria.
Voltando ao tema do lixo oceânico, oxalá os dois giros que nos ‘cercam’ continuem assim a ‘roçar’ estas ilhas. Embora saiba que esse pode não ser o nosso maior problema, será, sem dúvida, um grande problema. O nosso futuro, a única fonte do nosso futuro próximo, o turismo, merece uma atenção.
Uma última citação para se ficar mais ciente do problema, através do UOL Notícias (Maio/2012): “O enorme redemoinho de lixo plástico flutuante no norte do Pacífico aumentou cem vezes nos últimos 40 anos. Cientistas alertam que a sopa mortal de microplástico - partículas menores que cinco milímetros - ameaçam alterar o ecossistema marinho.No período entre 1972 e 1987, nenhum microplástico foi encontrado em amostras coletadas para testes, destacou um artigo publicado no periódicoBiology Letters, da Royal Society.Mas actualmente, os cientistas estimam que a massa de lixo conhecida como Giro Subtropical do Norte do Pacífico (NPSG, na sigla em inglês) ou Grande Mancha de Lixo do Pacífico, ocupe uma área correspondente, grosso modo, ao território do Texas (cerca de 700.000 km²)”, que é nada mais nada menos que o segundo maior estado dos EUA, depois do Alasca.
Expedia.com – um conhecido website de bookings norte americano – conduziu um
estudo online sobre os comportamentos e preferências de banhistas em cinco
continentes, utilizando uma amostra de 8,599 adultos, distribuídos por 21
países.
Os resultados publicados no Flip Flop Report 2012,
apontam para o facto da praia continuar a ser o destino de férias preferido da maior parte
dos turistas.
O estudo dá-nos ainda parte do seguinte:
- A popularidade do destino “praia” é insuperável, com mais
de metade dos correspondentes a planear as suas férias para este destino nos
próximos 12 meses; - Para a maior parte dos banhistas, as actividades de praia preferidas, são “relaxar” e “tomar
banhos de sol”; - Os banhistas alemães manifestam uma atitude mais
permissiva no que toca o nudismo, com 15% dos inquiridos alemães a admitirem tomar
banhos de sol nus. Seguidos dos indianos e espanhóis com 8% respectivamente; - 50% dos turistas considera a presença de tubarões antes de
decidirem ir de férias, mostrando ainda um considerável receio por uma ameaça
tão rara. Adicionalmente, sabemos que 70% da
população brasileira inquirida e 67% da população singapurense, foram os mais
zelosos sobre a possível presença de tubarões no momento de marcar férias,
enquanto apenas 3% dos italianos inquiridos pensam em tubarões antes de entrar
sequer na água.
Através de estudos como este, fica relativamente fácil identificar determinados nichos de mercado e ponderar soluções e produtos de âmbito turístico, para satisfazer as necessidades dos consumidores existentes, ou mesmo antecipar as demandas de um mercado emergente, como forma de evitar eventuais constrangimentos na hora de receber turistas. Alguns destes constrangimentos passam por exemplo pela fraca oferta balnear que enfrentamos no arquipélago, por força de fenómenos como a erosão das nossas costas e respectivas praias.
Ao processo natural de erosão (e.g. acção das ondas, do vento e mais recentemente, o aumento dos níveis do mar), veio juntar-se nas últimas décadas a pressão antrópica (e.g. construção de estradas, habitações, complexos turísticos, infra-estruturas), contribuindo para o desaparecimento progressivo da areia nas praias de Cabo Verde.
Tomando como exemplo específico a ilha de Santiago, podemos constatar que a intensa extracção de sedimentos, tem levado ao desaparecimento de várias praias e está a causar a deterioração de muitas mais no arquipélago a uma velocidade preocupante. Este fenómeno é devido, ao aumento populacional da ilha nos últimos anos e à falta de acompanhamento de uma política focada em planos de gestão, ordenamento e desenvolvimento sustentado do litoral, como recurso natural para a potência económica do país.
Os mais atentos aos meios de comunicação sociais, como o Facebook, facilmente podem constatar o crescimento da consciencialização por parte dos caboverdianos, para a problemática da gestão real e do ordenamento do litoral como factor fundamental para a sustentabilidade das ilhas, implicando a demanda de estudos na área da geologia costeira, por modo a fornecer informação fundamental para ajuizar com objectividade o valor intrínseco do litoral e permitir a sustentabilidade e aplicação de projectos adequados. Um bom exemplo desta tendência, foi a recente manifestação levada a cabo pelos boavistenses, em relação ao projecto "Ilhéu Limpo e Seguro", para o qual foi dispensada à priori avaliação do Estudo do Impacto Ambiental pela Direcção Geral do Ambiente.
De facto Cabo Verde apresenta-se aos turistas como um destino balnear, oferecendo nas fotografias praias de areia branca e mar azul, mas quantas destas praias estão realmente preparadas para satisfazer as expectativas dos turistas que escolhem visitar as ilhas?
Importantes passos têm sido dados no envolvimento da população para a preservação do meio ambiente em Cabo Verde, com especial foco na protecção das tartarugas que anualmente escolhem estas praias para depositar os seus ovos, mas que a cada dia que passa vêm este espaço retrair-se, em prol de interesses económicos que não satisfazem os interesses da população, como é o caso a construção de resorts que albergam os all inclusive, deixando de lado os populares e aniquilando desta forma progressiva francas intenções de praticar uma economia e um desenvolvimento sustentável, relembrando a máxima: "Satisfazer as necessidades da geração actual, sem comprometer as capacidades das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades".
Este
despertar social para as problemáticas de ordenamento e preservação dos
recursos naturais, pode ter impacto directo no futuro, exigindo um
padrão de ocupação do território caboverdiano, que respeite os valores
ambientais deste, contribuindo para o seu desenvolvimento sustentado, o
que em ilhas pequenas como as nossas dez pequenas pérolas do Atlântico,
onde os recursos naturais são limitados, é fundamental.
O mar é o nosso destino. O mar é o nosso passado, o nosso presente e sobretudo o nosso futuro. E é sobre esse mar, que devemos preservar em todos os parâmetros da nossa relação com ele, que quero falar neste meu novo post. Mas não vou falar abrangentemente sobre os recursos marinhos, a salvaguarda das quotas de pesca, nem a exploração das energias das ondas ou da dessalinização das águas salgadas para água bebível.
Não, isso são temas para outros entendidos. O que vou falar é um tema tão banal quanto importante para um turismo 'comme il faut'. Os acessos ao mar, às praias, às nossas areias amarelas e pretas, águas cristalinas e azuis escuras. Sim, os acessos naturais ou artificiais.
Os primeiros implicando quase nada, a não ser as capacidades de cada um em caminhar dunas ao mesmo tempo andar sobre pedra rolada ou mesmo saltar poças naturais formadas na rocha dura destas ilhas. Sinceramente, sempre gostei desta 'brabeza' do acesso ao mar, saltar de uma rocha depois de 'fincar' o pé em rocha pontiaguda ou andar ao pé cochinho sobre areia quente, a escaldar, para chegar à água, ou no sentido contrário, aproveitar os pés molhados para correr de fininho até à toalha ou algo que arrefeça a sensível sola do pé. Essa é a pequena amostra da natureza, o momento mil vezes repetido e tão natural para muitos cabo-verdianos que, se nunca tiveram outra experiência, não sabem que existe o outro lado, menos natural.
Os segundos implicam investimento, intervenção, cimentização ou empedramento, no fundo desnaturalização dos acessos ao mar. Dão um ar ocidentalizado, desenvolvido, enfim, de primeiro Mundo nos acessos ao mar. São o ícone maior do intervencionismo simples. Mas, ao mesmo tempo, o exemplo dramático do que o Homem, na sua ânsia de aumentar o seu bem-estar e o dos visitantes que pagam para desfrutar as belezas naturais, é capaz de mudar para dar um ar mais desenvolvimentista à sua oferta turística.
Não faltam exemplos por este mundo fora de intervenções loucas na orla marítima sem qualquer respeito pela naturalidade das coisas. O maior e mais radical exemplo é o Dubai e a sua Palm Island ou a sua The World Island. As imagens dizem tudo do que não se deve fazer. Aliás, esta notícia do jornal britânico The Telegraph exemplifica o que a natureza é capaz de fazer para recuperar o que é sua.
Obviamente num país com parcos recursos como é Cabo Verde, não estaríamos a falar de intervenções pouco naturais como estas que exemplifico.
Mas são os pequenos passeios, as pequenas escadas, os pequenos acessos, os pequenos trilhos... no fundo as pequenas vontades de quem manda (políticos) e de quem tem dinheiro (investidores) que podem desbaratar anos e anos de trabalho - muitas vezes trabalho nenhum, porque a natureza é 'mãe' e não 'madrasta' e nos colocou nas mãos um bem inestimável -, porque a ganância e a ânsia já referidas em cima, acabam por nos deixar com aparência infra-estrutural de povo rico e país moderno e desenvolvido, mas na verdade mais pobres na essência.
E é sobre isto que me apeteceu falar.
Em Guarulhos, São Paulo, a caminho de Maringá, Paraná, lembrei-me
do turismo. Do nosso turismo. Da sua sustentabilidade ou tentativa de… e da
arte. Coisas que fui vendo e pensando pelo caminho.
Não sendo uma novidade, exposições de arte nos aeroportos
(nas estações de metro no caso lisboeta) poderá ser visto como uma forma de
promoção turística do país e seus artistas. Não falo das lojas existentes nos
aeroportos das ilhas, com produtos caríssimos, logo, comerciais, numa espécie de
“fastfoodização” da arte nacional. Falo de feiras mensais (tipo os organizados
ultimamente pela CMP) de artesanato de artistas desconhecidos. Eles agradecem,
o país sai a ganhar e oportunidades poderão ser abertas a talentos jovens de
expor seus produtos a preço de feira. Ao invés da arte do bang-bang nos bairros
periféricos.
E agendas culturais (em papel ou virtual, já que somos o
tal país moderno, do mundo novo e demais coisas digitais) nos aeroportos e
portos ajudavam muito a economia nacional… houve uma época, há uns anos, que eu
e mais quatro colegas propusemos coisa do tipo na Assomada, em algo chamado na
altura de Plano Estratégico da Cultura. Associação cultura/turismo. Parceria
Ministério da Cultura/Ministério tutelar do turismo. Só que da coisa nunca mais
se soube nada… nem nós.
Julgo ter sido o actual primeiro-ministro de Cabo Verde que disse que "o turismo é o nosso petróleo". Esta frase que, não sendo original, encerra a importância que o turismo tem para o desenvolvimento do País, na verdade, vendo de fora e de longe, esta ‘fortuna’ da sorte, pela bênção da Mãe Natureza, nos pode sair caro, caso não aprendamos com os erros dos outros.
É um tema que me desassossega, não obstante olhar Cabo Verde do exterior e não vivenciando o dia-a-dia do trabalho que é feito por todos os agentes de Turismo. Nos últimos anos só se houve falar de grandes unidades hoteleiras, resorts com tudo incluído , grande destaque nos Media internacionais (portugueses sobretudo) onde o nome Cabo Verde surge consecutivamente entre os preferidos dos turistas, seja no Verão ou seja na Páscoa e até, imagine-se, nas viagens de Fim-de-Ano e Carnaval, aumentos percentuais muito promissores de entradas, estadias e dormidas de turistas no nosso país. São tudo coisas boas, tudo notícias pela positiva, até o dia...
Esse dia em que os Media vão acordar e apontar agulhas não à beleza das praias, ao clima sempre ameno, à Morabeza do povo e à sua Cultura tão característica e cativante. Mas sim, ao impacto que todo este desenvolvimento (sobretudo dos grandes hotéis à beira-mar) tem tido ou não tem tido na qualidade destas ilhas(por hoje ainda um paraíso) e do bem-estar da sua gente. É que, de facto, temos nestas quatro vertentes o nosso ‘petróleo’. Por enquanto, e essa é a melhor notícia, fala-se pouco ou nada do mau desenvolvimento, aliás do fraco impacto que o ‘boom’ do Turismo tem tido junto de grande parte da população.
Podem dizer que não, mas é uma realidade. Promove-se Cabo Verde por que características?! Sol e praia, povo e música?! Ou há mais por explorar?! É possível que até se faça mais que isso e acredito que sim. Mas olhando para um simples guia turístico de Cabo Verde, editado por uma empresa nacional para 2010 e as “10 Boas razões para conhecer Cabo Verde”, estavam lá todas estas características resumidas em 10 frases simplórias. As primeiras sete falavam do clima e de tudo o que se pode fazer num país com “Verão todo o ano”, ou seja praia e sol. As duas seguintes falavam da Cultura (musical e gastronómica) e a última (para mim, a mais importante para potenciar o Turismo) é a tal de Morabeza. É óbvio que o guia tinha muito mais para ler, ver e conhecer. Ainda ontem, 9 de Abril, li uma notícia em A Semana, de mais um guia escrito curiosamente por uma jornalista e, pelo que li, a ‘receita’ (sol e praia, cultura e morabeza) é a mesma. É sempre a mesma.
Percebo, porque tenho algumas noções de Comunicação e Marketing, as razões das acções de promoção nos mercados externos, sobretudo aqueles que são os principais emissores de turistas ou aqueles que, potencialmente, poderão vir a desempenhar um papel importante no crescimento da procura. Segundo as últimas estatísticas (www.ine.cv), tanto em entrada de hóspedes nas unidades hoteleiras (475.294) como de dormidas (2.827.562), registaram-se aumentos em 2011 face a 2010 de 24,5% e 20,7%, respectivamente. Extraordinário aumento, pois são poucos os destinos nas imediações do nosso arquipélago que podem apresentar números tão bons, dada a crise que impera na Europa, o principal mercado emissor.
Dou dois exemplos próximos para mostrar o quanto o nosso ‘petróleo’ está ainda (e espera-se melhor) pouco explorado. Madeira teve em 2011 mais de 896 mil hóspedes entrados para mais de 5,5 milhões de dormidas. Canárias, cujas estatísticas mais recentes que encontrei reportam-se até Agosto de 2011, tinham mais de 1,8 milhões só em entradas de turistas e mais de 11 milhões de dormidas. Curiosamente, estes dois destinos têm nos britânicos e alemães o seu principal mercado, exactamente os que Cabo Verde tem apostado, e tiveram aumentos de 6,6 e 5% respectivamente face a 2010.
Até quando estes números continuarão a ser favoráveis, sabendo-se que Madeira e Canárias estão a léguas no (muitas vezes mau) desenvolvimento turístico?! Fica a questão para aprendermos a procurar outras formas de desenvolvimento e não secarmos o nosso ‘petróleo’. Se a aposta for errada, poderá sair muito caro face às consequências que podem daí advir.
Um dos aspectos associados ao Turismo em Cabo Verde, são as actividades ligadas ao mar, nomeadamente o mergulho recreativo. As imagens dos recifes, das tartarugas, são símbolos turísticos nacionais. Por força da influência e concentração turística, esta actividade está normalmente mais associada à ilha do Sal.
A boa notícia é que o mergulho é bom em todas as Ilhas, e Santiago não é excepção.
O mergulho em Santiago
Santiago é uma ilha característica pelo turismo de trabalho e por ser o centro industrial de Cabo Verde.
No entanto, ao contrário da Ilha do Sal, tem uma placa continental curta, a qual representa boas notícias para os amantes da prática do mergulho.
O mergulho na ilha de Santiago, é maioritariamente feito em paredes, promovendo a bio-diversidade que de uma forma ou de outra, consegue escapar à pesca insustentável praticada na maior parte do território nacional cabo-verdiano.
A água, normalmente cristalina que agora recomeça a aquecer, as paredes de Coral amarelo, os recantos, as inúmeras espécies e o azul, convidam a mergulhos inesquecíveis!
Cada vez que submergimos há novidades, todos os dias há espécies novas, movimentos novos, e todos os dias sentimo-nos livres e mais completos quando mergulhamos. E em Santiago existem dezenas de Spots de mergulho para todos os gostos, e muitas centenas ainda por descobrir.
A Magia do mergulho.
A magia do mergulho está em conseguirmos ir para onde quisermos. A gravidade não é um obstáculo. Entramos em contacto com um mundo completamente novo. A variedade de cores e formas e de seres, faz-nos perder a noção do tempo, faz-nos esquecer o stress do mundo lá fora. Somos nós e o Oceano. Apenas ouvimos o som da nossa respiração. Eventualmente, temos a sorte de ouvir baleias a comunicar, principalmente nesta altura. Tudo o resto é silêncio. Só nos apercebemos da presença de todos os seus habitantes, se estiverem no nosso campo de visão. É sempre uma surpresa.
Acredito que no mergulho conseguimos ter uma nova perspectiva relativamente à importância do ecossistema marinho, e ao nosso papel enquanto responsáveis pela sua preservação. É tão rico, resistente, mas infelizmente muito ameaçado.
Desafios no Presente e Futuro
Com a abertura das águas de Cabo Verde a uma série de países, em conjunto com a falta de fiscalização à prática da actividade local desses mesmos países, esta preservação está seriamente ameaçada.
Debaixo de água, é cada vez mais difícil ficarmos embasbacados com a presença de um grande peixe ou mamífero marinho. Vemos maioritariamente juvenis, que mesmo assim, têm dificuldade em escapar às redes da pesca costeira.
Na praia da Vila do Maio, por exemplo, local de nidificação de tartarugas, não se vê uma tartaruga há muitos anos, segundo relatos locais. Eventualmente, quando ainda aprecem algumas tartarugas para nidificar ao longo da costa, os ovos são roubados para alimentação, assim como o é a tartaruga... Tartaruga, esse símbolo turístico de Cabo Verde.
Deixo a pesca do Tubarão, outro símbolo característico de muitas t-shirts, para outro dia.
A corrida ao peixe começou há umas décadas, mas a insustentabilidade e a irreversibilidade da vida marinha em alguns locais é mais recente. Cabo Verde não é excepção, e os interesses políticos e financeiros não ficaram à margem do que aconteceu noutros países. A argumentação da entrada de capital para a construção deste país é uma ilusão, principalmente pelo preço que as populações que vivem da pesca artesanal, e por isso mais sustentável, começam já a pagar…
Alguns paradoxos de um Turismo Sustentável em Cabo Verde
Uma das principais potencialidades deste país é o Turismo. No entanto, o paradoxo é grande. Se o turismo vive da praia, da areia, das tartarugas, porque constroem hotéis com a areia da praia, em cima do território das tartarugas? Se o potencial de desenvolvimento a médio e longo prazo deste país, é o turismo e o mar, porque abrem as portas a todos os que já esgotaram os seus recursos naturais, para virem esgotar os recursos deste arquipélago e das suas populações? Porque promovem um turismo pouco integrado com a população?
Tendo em conta o número de crianças, porque não existe um pensamento a longo prazo a pensar no seu futuro?
Deixo o desafio.
Para os cépticos, para os que ignoram este problema, para os que nada fazem, para os que querem fazer mas não sabem como, para os que se preocupam, para os que se querem preocupar, para todas as pessoas que saibam ou não nadar, toda a gente, venham mergulhar! Venham ver o que há de belo e rico no fundo de mar de Cabo Verde, venham ver de perto do que estou a falar e tomem acção hoje!
Comprem produtos locais, comprem produtos que sejam provenientes de uma pesca sustentável, não comprem lagostas do tamanho de camarões, nem promovam o consumo de espécies protegidas.
O verdadeiro benefício de cada um de nós, passa pelo benefício de todos.
Interessante como a impressa cai no logro do lobby e faz do marketing jornalístico a noticia da temporada! É uma pratica comercial barata, o destino é apresentado como sedutor para garantir mais vendas e aí convém destacar rankings com critérios muito vagos de classificação. Tomar isso por noticia é amadorismo. Nada a ver com Jornalismo.
Em 2007, neste mesmo post que estou a re-escrever destaquei o seguinte:
"O sitetravelbite apresenta os destinos ensolarado de inverno ao mercado inglês e destaca o nosso país à frente de uma lista de destinos como Patagonia, Chile and Argentina, Dominica, Caribbean, Darwin, northern Australia, Doha, Qatar, La Palma, Canary Islands."
Em 2012 já tivemos sobre a imobiliária e esse que apresenta Cabo Verde entre destinos como o Dubai e New York. E agora mais este de 23 de Março:
"HomeAway.co.uk recently welcomed the island group to its top ten holiday locations for the first time, and Skyscanner placed it among the top three emerging destinations." leia o artigo aqui.
Não seriam as instituições Caboverdianas a liderar esse processo e a administrar toda a lógica de promoção Institucional do destino? Nesse sentido quando o Turismo em Cabo Verde fosse reconhecido Internacionalmente seriam por critérios concretos relacionados à sustentabilidade, protecção ambiental, inclusão da população local, fomento do comercio local, da hotelaria nas comunidades e de um verdadeiro sentido de oferta turística à caboverdiana que faça o hospede querer voltar a viver a experiência de "cá estar" da autenticidade da morabeza.
Nada disso acontece Ou seja de lá pra cá destacam o País e promovem a distribuição de turistas em exclusivo para os resorts da Boavista(47,2%)* e do Sal (42,9%)* enquanto do lado de cá continuamos com os mesmos problemas de fundo e todo o esforço de marketing que é feito via investimento público parece cair em saco roto.
Se não somos nós a programar essa procura agravamos o actual risco de banalização do destino Cabo Verde. Esse "oba-oba" com a noticia distorce a realidade e continua-se a falar somente do que cresce e ignorando o que padece.
Queres conhecer um lugar em Cabo Verde onde ainda as pessoas deixam a porta aberta e um vizinho entra para atender o telefone sem levar nada consigo ao sair? Ou onde se coloca o colchão na rua para dormir nas noites quentes e a subida da maré é a maior preocupação? Se já estás a preparar as malas para o conhecer, saiba que para alcançar a aldeia piscatória de Monte Trigo é preciso levantar-se bem cedo antes de se fazer à estrada.
Praia de seixos no Monte Trigo
Partindo do centro de Porto Novo é preciso cerca de duas horas de carro. Primeiro, uma estrada asfaltada interligada com outra calcetada e por fim a maior parte do percurso é feito por caminhos de terra e pedras que desafiam os motores mais potentes dos carros no alto das montanhas, ou não estaríamos nós na Ilha das Montanhas. No final da viagem ainda é preciso fazer-se ao mar num bote para completar a ligação entre a localidade de Tarrafal de Monte Trigo e Monte Trigo. Este trajecto dura quase quarenta e cinco minutos sobre o mar onde está um dos maiores bancos de pesca do país. Nesta altura a decisão de deixar o telemóvel ligado é irrelevante pois nenhum dos serviços das operadoras móveis estão disponíveis. Telefonar aqui só é possível pela rede fixa.
Pedro Pires, o padeiro dos pescadores
Pedro Pires mostra com orgulho o forno da sua padaria
Numa aldeia piscatória composta por cerca de duzentas e oitenta e quatro pessoas o mais provável é que fossem todos pescadores ou dependentes da pesca. Mas, Pedro Pires, de 57 anos e morador local, foge à regra e é padeiro. Dono da única “indústria” da zona, a sua padaria produz pães e bolachas com os cerca de dezoito quilos de farinha que levam dois dias para serem vendidos à população. O curioso é que Pedro Pires vende um pão de 100 gramas por sete escudos quando o preço máximo que se pode aplicar é de doze escudos. “Os sacos de farinha e açúcar são trazidos pelos pescadores nos botes e eles não me cobram nada. Por isso vendo a um preço justo à comunidade”, explica o padeiro que já criou sete filhos com os lucros deste negócio que “não o deixa dormir sem jantar”, como conta orgulhoso.
Divertir-se em Monte Trigo
Crianças descansando em um colchão na praia
Monte Trigo não tem muitas formas de diversão. A pequena praia de seixos e alguma areia preta e fina que serve para chegada e partida dos pescadores e visitantes é o local de eleição das suas gentes. Na sua orla encontram-se sempre crianças semi-nuas queimadas pelo sol que com pequenas canas de pesca vão apanhando peixes de pequeno porte. Cada peixe trazido para terra é motivo de discussão e risos de exibição entre as crianças. Se as possibilidades não derem para seguirem com os estudos já estarão a treinar naquele que poderá vir a ser seu futuro ofício e sustento da família.
Após a faina no mar os fins-de-semana são habitualmente dedicados ao futebol. No minúsculo campo de terra batida que fica junto à praia defronta-se Marítimos e Natchok, as duas únicas equipas locais. Durante o jogo o grito “bola ao mar” faz parar a partida até que alguém vença as ondas e traga o esférico para terra debaixo dos braços. Que recomeçe o jogo.
Os serões das noites são passados em família à frente da televisão. A localidade recebe os sinais dos canais RTP1, RTP-África, SIC, SportTV, Record Cabo Verde e Record, mas do canal da Televisão de Cabo Verde (TCV) nem sinal. O mesmo acontece com a Rádio de Cabo Verde (RCV) que não é sintonizada em Monte Trigo.
Electricidade das 18:30 até 23:30
Graciete Fortes
Em Monte Trigo as pessoas conservam os alimentos em frigoríficos a gás. Isto porque a energia eléctrica só está disponível no final da tarde até antes da meia-noite, como nos conta Graciete Fortes, uma moradora da localidade de 28 anos. “Aqui só temos electricidade durante todo o dia na festa de Santo António [3 de Junho] e no fim do ano”, explica Graciete e avança que todas as casas pagam 710 escudos mensais à Câmara Municipal pela energia eléctrica. Enquanto isso afirma que não pagam a água fornecida pelo Serviço Autónomo de Águas do Porto Novo porque a empresa espera que todas as casas estejam ligadas à rede antes de começar a cobrar. “Mesmo assim aqueles que não têm água canalizada podem comprar uma lata de vinte litros por um escudo na santina local. Eu, por exemplo, com duzentos escudos tenho água para cerca de três meses aqui em casa”, diz sorrindo.
Por causa do isolamento os serviços de saúde são assegurados por um Agente Sanitário. As mulheres grávidas têm que fazer todo o percurso pela estrada para terem os filhos em Porto Novo ou então pela via marítima para darem à luz na ilha vizinha, São Vicente.
A despedida…
Durante a nossa viajem por Monte Trigo paramos numa casa para almoçar. Jorge, o “guia” que nos acompanhava durante a visita deixou sua bolsa com alguns litros de feijão e peixe seco no passeio da estrada e subiu ao terraço connosco para comer. Perguntámos-lhe se não tinha medo que alguém lhe roubasse as coisas ao que ele respondeu: “quem é que vai apanhar a bolsa se não lhes pertence?” e terminou sua refeição sem grandes preocupações. Na hora da partida despedimo-nos e Jorge apanhou sua bolsa e seguiu para casa. Ainda há lugares assim em Cabo Verde?